Faltando menos de um mês para a principal celebração de fim de ano, a pergunta está no ar: é possível salvar o Natal após as rupturas familiares provocadas pela polarização política?

Outro questionamento ainda mais complexo: como pacificar os ânimos e resgatar relacionamentos essenciais entres irmãos, pais e filhos, tios e sobrinhos, amigos e até casais abalados por diferenças ideológicas que estão provocando adoecimento mental em grande parcela da população?

Eu penso que é possível salvar o Natal. É a mensagem natalina, a convivência, o diálogo e a pacificação. Jesus foi o líder do consenso”, afirma o coordenador do setor psiquiátrico do Hospital de Base de Rio Preto, Gerardo Maria de Araújo Filho.

Para ele, esse é o ponto de partida para um grande desafio individual e para os terapeutas e psicanalistas que lidam com os efeitos da radicalização política na saúde mental da população nos dias de hoje.

Ofensas

"Desde que mudei meu posicionamento político do da minha família, havia uma divergência de ideias, mas nada grave. Neste ano, porém, essa diferença partiu para o campo da radicalização. Como única integrante familiar a ter outra opinião, eu me senti massacrada. Com as ofensas, somadas às pressões de amigos que tentaram mudar o meu voto, eu precisei voltar à medicação que tomei na pandemia. Agora, espero recuperar o diálogo de antes para continuar", Luciana (nome fictício), 36 anos, empresária.

A tensão eleitoral surgiu antes mesmo que as pessoas conseguissem superar todos os traumas emocionais da pandemia da Covid, fazendo com que parte da sociedade brasileira passe por um novo “drama”: recuperar a saúde mental desgastada pela polarização política. Dilema social que acabou com amizades, minou relacionamentos afetivos e quebrou laços familiares. Rupturas que começaram com bloqueios nas redes sociais, partiram para brigas em almoços e jantares e acabaram em fraturas doloridas.

O impasse é marcado pela falta de debate de ideias, segundo Araújo Filho, com "cada um encastelado nas suas ideias, sem abrir para o contraditório para pensar: ‘Será que o outro está certo?’ E sem diálogo, aparece o sofrimento mental", diz o médico.

Isolamento em grupos que, na análise da psicóloga cognitivo-comportamental de Rio Preto Mara Lúcia Madureira, é o primeiro problema de saúde mental da polarização. "As pessoas ficam imersas em grupos fechados, sendo bombardeadas o tempo todo por mensagens, na maioria das vezes fake news e mensagens alarmistas", afirmou. "A partir de falsas profeciasde catástrofes, isso vai gerando uma ansiedade muito grande e essas pessoas passam a querer combater quem defende o adversário", acrescentou.

Tribos

Para Araújo Filho, que também é chefe do Departamento de Ciências Neurológicas, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), essa radicalização reduz a sociedade à era tribal. "Eu fico em grupos que pensam iguais a mim e que vão reproduzir as verdades que eu acho que são verdades, enquanto que só o debate é que nos faz crescer como pessoa e como sociedade", disse.

Os impactos são mais graves, segundo Ana Flávia, quando comprometem os laços familiares. "Pois, além de conviver com os conflitos, é preciso conviver. E no meio de todo esse cenário, os prejuízos mais alarmantes são as crises de ansiedade, cansaço emocional, rupturas de relacionamentos e distanciamento involuntário", disse.

Diferentemente do fim do coleguismo ou de amizades, a ruptura de laços familiares, segundo Mara Lúcia, tem um impacto no plano psicológico e mental desastroso. "É uma espécie de luto. Você está perdendo o amor, a companhia, a amizade e a e a compaixão de alguém que sempre serviu como apoio, como apego seguro que você tem ali e pode contar", disse. Perdas, que segundo a psicóloga, podem acabar em transtornos do espectro obsessivo compulsivo, com abuso de álcool, drogas e compras sem necessidade.

Segundo o chefe do setor Psiquiátrico do HB, a perda dessa base familiar pode causar danos em pessoas sem histórico de adoecimento mental, como piorar quadros estáveis já em tratamento Temos observado o aparecimento muito grande de depressão, transtornos de ansiedade e angústia nos dois lados da polarização. Há casos também que a pessoa estava estável e acaba desestabilizando do tratamento pela rixa política", afirmou.

Diariodaregiao 







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